1/27/2012

fingimento

é essa mentira que me mata. essa falta de ânimo alimentada pela falta de norte. fingimento coletivo, todos aqui fingem que trabalham, fingem que estão produzindo algo, que fazem parte de alguma coisa. não existe pertencimento algum, e os clichês rolam escada abaixo na direção do almoço filme de terror. esse desfile de roupinhas provincianas e burocráticas, esse cheiro de produto de limpeza atacado misturado com perfumes natura. quem quer saber de vocês? quem se interessa por vidinhas tão mastigadas e pobrezinhas. e no meio desse lamaçal de ossos eu aqui fingindo atividades. vou ao banheiro e vomito. saem muitas vozes e rostos nesse vômito quente e lá, absorto no ar empesteado e ácido é que me sinto vivo novamente. ao voltar para meu lugar ouço os risos e os telefones tocando e toda uma sorte de bactérias iniciam uma festa no rosto de nós todos e a cada segundo nossa vida acaba e isso nos diferencia, porque eu sei. eu sei que isso não faz o menor sentido.

1/25/2012

capital

coisa sem graça
trabalhar
pra comprar casa

vou em outra direção
ver o filho crescer
semear mais o coração

gastar um pouco contigo
viajar e te fazer
extensão de meu umbigo

criar um pouco de tudo que é sublime
arte, comida, amigos
e torcer pro meu time

viver pra pagar uma casa
tô fora, pois que
esse trauma não passa

1/24/2012

The Fighting Temeraire tugged to her last Berth to be broken up, 1838


Os quadros de William Turner são uma espécie de portal para outra dimensão. O céu, sempre cheio de um sol que pequeno, num canto do quadro, se expande e domina nossos desejos de voo, um abraço de precipício no expectador, que sincero ou medíocre, sempre procura. As tempestades e a calmaria, amálgama da realização pictórica de uma grade de sonhos, recorrentes, ideias de pluralidade e caos. Imagens que nos entregam um desespero gigantesco e que ao mesmo tempo são generosas ao nos presentear as tonalidades e mesclas das cores, degradês, formações densas de um céu praticamente rochoso e leve. Turner é o pintor que nos estapeia com chumaços luminosos de tinta e nos rasga ao meio com as ondas geladas dos mares do norte.

O quadro acima, é acima de tudo um poente. Nele está o fim. Fim de uma era representada pelo galeão apagado, opaco, rebocado pelo potente vapor. Seu deslocamento na direção do poente, a sombra que se confunde com a sombra do fim do dia, as velas presas e amarradas pela última vez. O indicativo de seu desmanche no fogo que sai da chaminé do pequeno rebocador. É o fim, mas é um fim de ouro, iluminado, o metal precioso agora é reflexo nas nuvens e no mar.
gota de chuva
brinco
na tua orelha

1/19/2012

mulher CC (funk)

mulher CC
acaba com vc (3x)

visa ou mastercard
ela quer é mastigar
você acha que é foda mas é um vacilão
as mina gosta mesmo é do seu cartão

mulher CC
acabando com vc (3x)

ela chega de mansinho, calcinha e peitão
abre a tua carteira sacando o cartão
pega bem devagarinho e agacha pra você
tu é o manezão pagando de mulher CC

mulher CC
acaba com vc (3x)

carro brinco energético e pó de guaraná
a mulher CC ela vai te esvaziar
se liga cara pálida você vai é si fudê
tu tá cercado e perdeu tudo pra mulher CC

mulher CC
acabou com vc (3x)

1/12/2012




estrelas gotejam
amor amor
uma contorcionista caindo do céu


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



folha verde vento
de dentro pra fora
mulher com olhos de incêndio


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus

1/11/2012




perco minhas folhas
sobre você
o orvalho evapora


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



céu distante
peno sozinha
um vulto em janelas estranhas


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



tarde vazia
ao meu lado
estou eu, dura e fria


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus

1/10/2012




olhos vermelhos refletiam a lua
devorava-me aos poucos
sempre quis ser tua


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



dentro do meu peito
um céu halterofilista
aperta para fora e dói


texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



seus lábios
secos ou doces
quero sempre machucar

texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus



derretes sobre meu ventre
luz trêmula
estrela incontestável

texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus


doces casas coloridas
lado a lado
flor pisoteada sangrando na calçada

texto: adriane bertini
ilustração: kevin kraus

1/09/2012

trinta e oito engatilhado

e a vida deu umas voltas de arame farpado no teu pescoço
que o sangue agora se mistura com a cana na goela
e uma certa lama encobre os bicos dos sapatos
como se o palhaço fosse sempre você no chap chap do salto gasto
e um monte de rios novos começaram a descer pela tua cara
vários corginhos que saem lá das maças superiores e descem na sombra da napa
e umas marcas de sol também pintanejam a fronte meio escuro branca
numa maneira de sim você embica os nãos diários
um monte de pertences que nem fazem mais cócegas lá pelos cômodos
santos misturados pra ver se ajudam no feijão
e trezentas vezes por ano aquelas duas sentadas no vaso diárias te pagam os truques
peitos do weekend só no leitinho de cabra
brindes de cristal é um tempo antigo e cavernoso, distante 3 mil
agora o bafo da tarde lambe a cacunda cheia de pelos engruvinhados
sem chefe nem marias pra correr a correria, duas da tarde lá no sol
os cacos de joelho raspam na banha da velha sentada no vime surrado
benzer-se não faz mais efeito na ardência do santo ao contrário
pó de coloral na ponta do pau pra dar saúde e parar o arrefecimento
hoje acaba ainda e não sabe de um amanhã, mesmo que por pouco.