1/31/2014

nem que seja
pra escrever mais esta linha
somente me resta
a página em branco
e um resto de tinta
as vozes estão já bem distantes
são sonhos vazios
meros instantes
meu chão é movediço
lembra um tapete velho
sobre ele deslizo
todos meus receios
as rejeições colecionadas
em potes de geléia
nem água nem uréia nem a mais tenra
ideia
custa mastigar o desencanto de cada dia
pobre daqueles que sonham
que acreditam ter alguma chance
nesta vida de ópio e disputas
cheia de gente naturalmente distante
escrever ainda me salva da morte
me enterra devagar
numa cova quase permanente
de ostracismo e esquecimento
quando acaba esse karma
meu amigo santo?
nem bem sei se sustento
um pranto
ou se engatilho a minha arma
a cabeça dita as regras
mas o corpo desobediente
inventa outras febres
ainda me resta um pouco
de paciência e sono
distrações de um moribundo
que espera o aperto
do gatilho a qualquer segundo.

no horizonte
um ponto negro
deus
defeca
em meu rosto

no sonho
um elefante branco
amassa
minha cabeça

na fumaça
uma música
feita de silêncio e chumbo
preserva
meu pensar

no destino
eu nu
envolto em outro
eu pronto
em
bálsamo

nem que seja por breve momento
o gosto doce da morte
anda passeando, me entretendo.

os frutos todos já se perderam
numa réstia de pó e nada
meus sonhos feneceram,

resta o gosto doce da foice
que corta fora minha cabeça
e me levita com seu coice.


1/26/2014

tanta bobagem
escrita
na sombra do dia
besteira sobre
besteira
amontoados de asneira
redonda gramática
vazia a peneira
só resta ao pó
o nada
desencanto
da história
contada.

tanta bobagem
consolo mesmo
uma viagem
para o esquecido mundo
da vadiagem.









1/23/2014

antes de amar
pense
é bom ter gente

antes de se olhar
tente
é bom ter pente

antes de me ver
sente
é bom ter lente

querer estar a frente
nem sempre
é mero repente




1/20/2014

encontrei jesus lá na vendinha da rua seis. ele me disse que estava sem tomates e que o molho só fica bom se for com tomate fresco. também disse que os molhos de lata causam afta nele. fiquei pensando naquilo e dei um tampinha no ombro do rapaz. seu ombro reluzia de suor e negritude. falei que eram os agrotóxicos. que era tudo culpa do monte de agrotóxicos que estamos todos consumindo, cada dia mais, envenenados todos os dias por baixo do tapete. e Jesus me olhou com aqueles olhos incrédulos e vulgares. olhou pros meus peitos reluzentes que balançavam enquanto eu dizia aquele monte de coisa importante. então, subitamente ele colocou sua mão no bico do meu seio esquerdo e apertou bem devagarinho. fiquei excitada na hora, meu membro enrijeceu. mas eu tinha vergonha de falar pra jesus que eu havia negado minha natureza. falei pra ele que outra hora seria outra ocasião. falei que tinha pressa, pedi licença e sai da vendinha correndo. Jesus ficou plantado com o saco de tomates olhando pra minha bunda siliconada enquanto eu corria e sorria e me sentia super interessante.

1/17/2014

gordura trans

jura que gosta de pastel
come salsicha e bebe refri
com xis tudo na pança sorri
ignora a possibilidade do mel

lambuza a boca no salgado
com formato de falo, pica
a calabresa na boca estica
entra na boca e goela até o talo

nunca viu fruta ou verdura
nem peixe que não fosse fritura
amante do bacon e do chiclete

cresceu num corpo de fofolete
agora prepara a janta pro namorado
seu rabo pronto, reluz defumado.



Célia abriu a janela da sala,
a rua cheia
mulatas de chita
negros de saco
crianças de catarro
velhos e velhas emburrando

"quero um pau no meu cuuuuuuu"

a rua petrificada
olhares dançando entre dimensões
bocas em semi aberto
e um riso risada gargalho
furacão

no parapeito a menina de vinte e dois anos tentava equilibra-se.
muita gente reclama
sente saudade
que não tem tempo
estão precisando
querem mas não podem
sabem que podem se arrepender
juntam medos na balança
sabem-se uma espécie de ânsia
precisam divulgar a vontade
ainda que ponham em risco a vizinhança
dizem em clara mensagem
de sua insistente necessidade

de fumar um cigarrinho do diabo!

1/16/2014

defasagem

uma paisagem pobre
talvez sonho branco
montanha rapelada
secura de horizonte

uma miragem norte
extrema riqueza
ar tátil de cor e forma
infinito estado sólido
desmentido
desapropriado

a cidade natal
é uma ilusão
de quem quer ser de algum lugar

somos de nós mesmos
pertencemos ao corpo
que nos carrega

nada mais
além do útero da mãe
foi lugar natal

1/05/2014

o elevador é a solução do novo corpo.


via bloqueada

na frente do elevador
e nos corredores e nos túneis
nas ruas e calçadas e nas faixas
de pedestres
nas recepções e principalmente
nas entradas e saídas
em frente as portas
nas catraias do metrô
e nas plataformas
nas escadas e nas salas e salões
os humanos estão sempre
de alguma forma torta e impossível
enroscados e seus egos e telefones
e câmeras e filhos e casacos e sanduíches
e a fluidez do movimento das massas

não acontece!

1/03/2014

árvore seca

braços
entre
laçados
desfolhados

corpo
em torta
ereção

a rua te espia
o vento
te cospe

nua
árvore

desvendada.


a noite é geral
somando artérias e distritos
a festa nunca termina nas marginais
somos os gatos necessários
dispensados dos glossários
nossa poesia está na rotineira luta
perdidos e sujos e mal amados
os garçons de fel e de labuta
e carregamos os ossos dos
esquecidos
enquanto difamamos uma trégua
já estamos vencidos
na ansia de sonhar
o veneno uniforme da polícia
atrás das viseiras, a mirar
nas latas de lixo e nas vielas
nos becos mais sujos e nas gamelas
no escuro dos terreiros
mais atrás dos galinheiros
estamos todos unidos num só grito
que adrenalina alguma dá por infinito
agora e ontem nunca somos nada
escorraçados e cuspidos, os invisíveis
seres que habitam tua calçada
uma massa disforme já vencida
louca pra passar só mais um dia
sem ser vista nem cobrada
os vagabundos e vândalos reais
que sustentam desde os tempos ancestrais
a classe cômica que nos dita
econômica e maldita.


1/02/2014

achado

duas garrafas
de cerveja na calçada
abandonadas
pediam por um bico
nem tive dúvida
sai de fininho
não houve apito

agora dormem quietas
na geladeira
amanhã serão abertas
é sexta-feira!