que este ano podre e maldito
seja anulado, esquecido e apagado
absolutamente bizarro e infinito
foi seu prolongado negro gramado
pastei nele como um velho cavalo
perdi muito, bem dizer, a baciada
bens, dinheiro, tempo atravancado
o pior de tudo - minha mãe, tão amada!
mas como dizem por ai, há esperança
e no fim desta absurda, ogra noite
um pequeno saldo me faz vizinhança:
termino o ano sem levar o açoite
de acabar desempregado, que caralho
consegui um trampo, mas sem salário!
12/31/2013
12/30/2013
tem dias que dá vontade de subir lá no alto do impossível distante
fazer dessa distância uma levíssima despedida de tudo
sumir sem deixar nem o cheiro nem a lembrança nem mesmo o sonho
sem despedidas e sem quebrar vidros e sem aquele gosto amargo típico
mais tarde, quando toda a taquicardia tiver passado a vontade se restaura
e no infinito flutuar longínquo
pode-se revelar o verdadeiro e autorizado indivíduo
certamente não se pode comprar.
12/29/2013
los amigos lejanos
tem um em belém
fugindo de seu outro sem ser ninguém
tem outro no sul
caçando, comendo tatu
tem mais um em sampa
entre um pastel e um samba
tem o que mora no copan
que ja voou de panam
outro que vive na granja julieta
no 5x1, cercado de ampulhetas
mais aquele que vive em barão
poeta forte, dos bão
um véio que tá em bh
não bebe, tá ficando gagá
outro doido lá no rio, carioca
que salga a barba na mandioca
outros dois na cidade dos figos
enroscados em seus filhos
e outros tantos que morreram
não porque escolheram
amigos a gente sempre tem por ai
e quando dá a gente abraça e conversa,
mas o duro mesmo dessa vida perversa,
é a solidão que vive dentro de ti.
fugindo de seu outro sem ser ninguém
tem outro no sul
caçando, comendo tatu
tem mais um em sampa
entre um pastel e um samba
tem o que mora no copan
que ja voou de panam
outro que vive na granja julieta
no 5x1, cercado de ampulhetas
mais aquele que vive em barão
poeta forte, dos bão
um véio que tá em bh
não bebe, tá ficando gagá
outro doido lá no rio, carioca
que salga a barba na mandioca
outros dois na cidade dos figos
enroscados em seus filhos
e outros tantos que morreram
não porque escolheram
amigos a gente sempre tem por ai
e quando dá a gente abraça e conversa,
mas o duro mesmo dessa vida perversa,
é a solidão que vive dentro de ti.
londrina
para quem mora em londres -
menina
para quem mora em sampa -
cocaina
para quem mora no rio -
serpentina
londrina nas retinas do meu horizonte azul despedaçado!
menina
para quem mora em sampa -
cocaina
para quem mora no rio -
serpentina
londrina nas retinas do meu horizonte azul despedaçado!
12/28/2013
sempre corretos, donos da certidão e da felicidade, guardiões da prisão dos miseráveis
quanta miséria carregam os donos da verdade
que levantam a bandeira do otimismo e sorriso fácil
que esmagam com sua pretensão a todos os desiguais
suam energia e luz para dizer o que é certo e errado
esses que sempre sabem a verdade e se dizem deus
violentam na surdida a natureza diversa dos homens
do alto de seus tronos e estáveis rotinas amenas
ditam as regras do que é ser feliz, e do que é ser triste
sabem tanto, soam mágicos, são o supra-sumo da certeza
até que uma pequena espinha surge na ponta do queixo
e desaba o mundo de neuroses por sobre seu rosto
a previsível miséria alheia é agora seu fardo momentâneo
como resolver o problema da aparência, meu deus!
escondem-se na alcova, fecham as cortinas
chamam por um milagre que lhes devolva a pura face
aquela que nega qualquer resquício de tristeza
que levantam a bandeira do otimismo e sorriso fácil
que esmagam com sua pretensão a todos os desiguais
suam energia e luz para dizer o que é certo e errado
esses que sempre sabem a verdade e se dizem deus
violentam na surdida a natureza diversa dos homens
do alto de seus tronos e estáveis rotinas amenas
ditam as regras do que é ser feliz, e do que é ser triste
sabem tanto, soam mágicos, são o supra-sumo da certeza
até que uma pequena espinha surge na ponta do queixo
e desaba o mundo de neuroses por sobre seu rosto
a previsível miséria alheia é agora seu fardo momentâneo
como resolver o problema da aparência, meu deus!
escondem-se na alcova, fecham as cortinas
chamam por um milagre que lhes devolva a pura face
aquela que nega qualquer resquício de tristeza
12/24/2013
12/20/2013
tempo
meu tempo
é noturno
um bicho
sozinho
perdido
em silêncio
cercado
de luz
artificial
meu tempo
é passado
distante
do dia
calado
presente
na mente
inundado
de vinho
produzindo
palavras
que não
se vendem
muito
menos
se entendem
é noturno
um bicho
sozinho
perdido
em silêncio
cercado
de luz
artificial
meu tempo
é passado
distante
do dia
calado
presente
na mente
inundado
de vinho
produzindo
palavras
que não
se vendem
muito
menos
se entendem
12/18/2013
12/17/2013
12/13/2013
12/12/2013
12/09/2013
12/07/2013
Bar Academia
Ao lado da Academia Brasileira de Letras, no bar academia, os azulejos são azuis com imagem da justiça. Os fantasmas de Machado, Manuel e João encostados no balcão, tomando uma parati e jogando conversa fora. Fiquei fazendo pose, mas nem assim me deixaram entrar na conversa.
a baleia e o submarino
Dizem que o amor é felino
que acontece assim, do nada,
nem imaginam a abençoada,
armadilha louca do destino.
Aconteceu a muito tempo,
no hemisfério nordestino,
um amor de contratempo
entre a baleia e o submarino.
Encontraram-se em alto mar
perambulavam sem domínio
até que os dominou esse amar,
e desse amor doido, bailarino
nasceu nas profundezas do azul
um ser chamado clandestino.
que acontece assim, do nada,
nem imaginam a abençoada,
armadilha louca do destino.
Aconteceu a muito tempo,
no hemisfério nordestino,
um amor de contratempo
entre a baleia e o submarino.
Encontraram-se em alto mar
perambulavam sem domínio
até que os dominou esse amar,
e desse amor doido, bailarino
nasceu nas profundezas do azul
um ser chamado clandestino.
exoesqueleto
o mundo se encheu de pessoas
que são incríveis
que lançam mão da vida
para criar poder
e ter cada vez mais
pessoas que têm propostas
para tudo
o tempo
todo
assim todas as
crianças
são esquecidas
a natureza
os animais
e
o que
se vê além das propostas
é mais um mundo
pronto
para tornar-se
apenas
mais
um
exoesqueleto.
que são incríveis
que lançam mão da vida
para criar poder
e ter cada vez mais
pessoas que têm propostas
para tudo
o tempo
todo
assim todas as
crianças
são esquecidas
a natureza
os animais
e
o que
se vê além das propostas
é mais um mundo
pronto
para tornar-se
apenas
mais
um
exoesqueleto.
12/04/2013
12/02/2013
um correspondente escreveu amargurado:
"em seu último livro
havia 43 poemas
que, ou falavam sobre
a morte diretamente
ou referiam ao tema
de uma
maneira
oblíqua..."
dobrei a carta dele
bonitinha
e coloquei na
pilha
com as
outras
e assim como os
mortos
eu
não
respondi.
havia 43 poemas
que, ou falavam sobre
a morte diretamente
ou referiam ao tema
de uma
maneira
oblíqua..."
dobrei a carta dele
bonitinha
e coloquei na
pilha
com as
outras
e assim como os
mortos
eu
não
respondi.
a
correspondent wrote bitterly:
“in your
last book / you had 43
poems / which
either talked about / death
directly / or referred
to it / in an / oblique / manner...”
I folded
his letter / neatly / and placed
it on the / pile / with the / others
and like
the / dead / I / didn’t /reply.
Charles Bukowski in The Continual Condition. HarperCollins, New York, 2009. Tradução de Kevin Kraus.
12/01/2013
dezembro
era pra ser o décimo
hoje é
ultimo
coisa de romano
somos todos
manos
nem contar
sabemos
último do ano
pra fechar
a conta
amarga
só se safa
quem vive
o resto
chupa manga
ou masca
gelo
hoje começa
o fim
de mais um ano maldito
cheio de dor
amargura
chuva de granito
agora
é torcer
pra ir embora logo
sem presentes
nem enchentes
só mais um final
suave
natural.
hoje é
ultimo
coisa de romano
somos todos
manos
nem contar
sabemos
último do ano
pra fechar
a conta
amarga
só se safa
quem vive
o resto
chupa manga
ou masca
gelo
hoje começa
o fim
de mais um ano maldito
cheio de dor
amargura
chuva de granito
agora
é torcer
pra ir embora logo
sem presentes
nem enchentes
só mais um final
suave
natural.
11/29/2013
guerra fria
descobri que sou lido
pela Rússia e
estados unidos
escrevo em português
nada de russo,
pouco inglês
estou bem no meio
dessa folia
numa ilha cercada
por água
fria.
pela Rússia e
estados unidos
escrevo em português
nada de russo,
pouco inglês
estou bem no meio
dessa folia
numa ilha cercada
por água
fria.
11/28/2013
mantra sutra
amansa meu mantra
descasca minha cenoura
pega na minha vara
suga minha porra
amansa minha verga
senta nas esporas
veja minhas veias
que lá vem a porra
amansa minha pica
doce tua boca fica
enquanto o corno manso
se deleita em meu esporro
descasca minha cenoura
pega na minha vara
suga minha porra
amansa minha verga
senta nas esporas
veja minhas veias
que lá vem a porra
amansa minha pica
doce tua boca fica
enquanto o corno manso
se deleita em meu esporro
na sala de espera
enquanto esperava
um chinês passou
olhou
viu e se foi
depois uma chinesa
feia e recheada
fiquei olhando as parades vazias
de uma sala
de espera
no centro de Londres
era um lugar pra ser qualquer
menos a pompa
menos o luxo
o carpete creme rasgado
chineses passando
um cheiro de
inseticida e perfume do oriente médio
fiquei parado
olhando as parades
e fazendo
a minha
parte.
um chinês passou
olhou
viu e se foi
depois uma chinesa
feia e recheada
fiquei olhando as parades vazias
de uma sala
de espera
no centro de Londres
era um lugar pra ser qualquer
menos a pompa
menos o luxo
o carpete creme rasgado
chineses passando
um cheiro de
inseticida e perfume do oriente médio
fiquei parado
olhando as parades
e fazendo
a minha
parte.
11/23/2013
11/19/2013
Outonal
A morte me pagou várias visitas
neste feio outono, de frio e torpor
trouxe um pote de sensações mistas,
solidão, saudade, tristeza e dor.
Cada folha caída, abandonada,
me lembra a mãe magra, inocente
ela que sobrou em ser amada
hoje morta, é meu sol poente.
A vida copia a natureza
a morte chega em sua certeza
leva a vida para além do sono
faz do sol um negro outono
acaba com som do doce acalanto
que agora ouço, só, num canto.
para minha mãe.
neste feio outono, de frio e torpor
trouxe um pote de sensações mistas,
solidão, saudade, tristeza e dor.
Cada folha caída, abandonada,
me lembra a mãe magra, inocente
ela que sobrou em ser amada
hoje morta, é meu sol poente.
A vida copia a natureza
a morte chega em sua certeza
leva a vida para além do sono
faz do sol um negro outono
acaba com som do doce acalanto
que agora ouço, só, num canto.
para minha mãe.
11/17/2013
inverno
quinze horas de noite
um som negro de fundo
meu suspiro mais forte
o mar das janelas do mundo
vento que corta e gela
ruas de sombras, de folhas
a noite mingua na cela
pequena das minhas escolhas
um som negro de fundo
meu suspiro mais forte
o mar das janelas do mundo
vento que corta e gela
ruas de sombras, de folhas
a noite mingua na cela
pequena das minhas escolhas
11/10/2013
11/08/2013
Pedro Marques
Meu chapa, meu camarada. Poeta de ladeira geral. Come papel e cospe cachaça em verso. Se tem um cara que se envolve, ai está um. Bom de prosa, mas mestre na lírica, no arranjo, na composição. Grande moleque dos ritmos e melodias e um irmão pra todas as horas.
Paulo Henriques Britto
Não é meu amigo. Mas pude ler seus poemas enquanto ele ficava me olhando, quase fungando na minha orelha. É um gênio da lírica. Queria poder encontrar os livros dele aqui em Londres.
T.S. Eliot
Ainda não somos amigos. Meus sonhos cabem nos poemas e toda vez que sento pra beber me lembro dos homens ocos. Meu ser fragmentado consegue conversar com esse cara, eu sóbrio nunca.
Juliana Amaral e Humberto Pio
Juliana e Humberto são casados e escrevem. Ela canta e ele desenha. Seus escritos não se beijam nem se deitam. Humberto escreve com o mínimo. Se pudesse, reduziria as letras do alfabeto. Ele vê. Juliana samba mínimo mas escreve cartas. Curtas, médias, longas, todas ridículas. Alucinada.
Felipe Paros
Poeta visual, delicado. Grande sátiro do cotidiano. Poesia e arte visual, amigos estranhos, odeia sua barriga. Abandonou São Paulo.
Pedro Nuno Furtado
Camões
Grande amigo. Sonetos que me matam. Foi nome de uma de minhas camas. Usei para despertar vida em seres inanimados. Investigo.
11/06/2013
púbico
meu público é
peludo
tem idade de lobos
é volátil
sente mas não fala
meu público
goza
perde a fala
mas goza
mete o pau
diz a verdade mas não morre
meu púbico
é púbico
soa
ressoa
verte
pessoa sem rosto
peludo
tem idade de lobos
é volátil
sente mas não fala
meu público
goza
perde a fala
mas goza
mete o pau
diz a verdade mas não morre
meu púbico
é púbico
soa
ressoa
verte
pessoa sem rosto
11/04/2013
eu sou doente
meus olhos e pernas
conversam sobre meus erros
tenho sintomas antigos
de doenças ancestrais
eu detesto
não sei mais esconder que sou assim
longe dos homens
apático ao existir dos outros
já fui sadio
sem o horror estampado na têmpora
dava sorrisos na rua e me permitia
hoje sou doente
abandonei a todos para viver
no meu leprosário.
11/03/2013
Nick Cave and the Bad Seeds
Domingo passado fui ver o Nick Cave. Talvez o melhor show que já assisti, pena ter sido num momento tão ruim, tão triste.
Correspondência
para Monika
Desde o Ribeirão do Meio, no encontro do Tâmisa com o TietêRaiz, ruir, Ruiz
Pralém mar, amar é terno (entre gerações)
Humberto Pio
10/22/2013
10/07/2013
Um dia eu fui lá no Rio. Tinha árvores e gente e um monte de deformações geográficas. Ouvi um samba num lugar chamado buraco quente e conversei com dois cobradores de ônibus sobre questões universais. Assisti a um jogo na geral com dois amigos de Niterói. Um dia eu fui visitar a praia e não havia lugar pra sentar. O mar estava frio e quando sai da água a pele grudava. Não subi o morro pra fazer amizades e nem me apaixonei, mas um dia eu fui até a barra num ônibus cheio de pretos. Não sabia o que fazer naquele lugar então voltei para estar no Rio novamente. Roubaram meu chapéu numa mesa de bar e desloquei o maxilar pulando do palco numa poltrona de cinema. Um dia fui embora do Rio e ficaram por lá muitos ossos por roer.
10/06/2013
9/18/2013
tudo na saia dela me olhava
até os fiapos soltos pulando no ar
eu deitei meus olhos naqueles joelhos
e foi como se fosse um amanhecer
calada e suja abria suas mãos
tentando alcançar meu centro
menino bobo fiquei olhando os dedos
roçando o cordão pendurado do short
assim a tarde espalhou um novo perfume
era noite de dia muito branco esse céu
experimento até hoje o beijo roubado
pequena flor do meu sobrado
até os fiapos soltos pulando no ar
eu deitei meus olhos naqueles joelhos
e foi como se fosse um amanhecer
calada e suja abria suas mãos
tentando alcançar meu centro
menino bobo fiquei olhando os dedos
roçando o cordão pendurado do short
assim a tarde espalhou um novo perfume
era noite de dia muito branco esse céu
experimento até hoje o beijo roubado
pequena flor do meu sobrado
to Otto Sander
the angel is now dead
upon his head darkness sleeps
earth and sorrow hand by hand
wings of desire are no more
upon his head darkness sleeps
earth and sorrow hand by hand
wings of desire are no more
Dizem que no Brasil 51% da população é gorda. É a discussão do momento nas tevês abertas e obviamente o show de horrores fica completo com as atrocidades faladas nesses programas. Mas ninguém vai lá na raiz do problema: a comida saudável é mais cara, a comida saudável exige mais trabalho e dedicação no preparo, as escolas servem salchicha desde quando as crianças estão na creche, nos grandes centros nos últimos vinte anos o brasileiro passou a se espelhar nos norte americanos quando se alimenta, nas pequenas cidades a falta de alternativas culturais leva as pessoas a adotarem a comida como única diversão, não existe nenhum programa federal de educação alimentar que seja efetivo e que chegue diretamente na casa das pessoas, estamos vivendo o tempo do churrasco, do lanche (uma das palavras mais horrorosas da língua portuguesa e que o estado de são paulo adotou para designar sanduíches gordurosos), do refri, da pizza, dos salgadinhos industrializados e dos feitos pela dona Jéssica empreendedora na cozinha reformada com piso de porcelanato, do hambúrguer pronto para microondas. Somos os novos Americanos, os desbravadores de boca bem aberta, com dentes entrelaçados pelos aparelhos reluzentes, muita anemia escondida nas profundezas dos intestinos e uma felicidade de pipoca instantânea.
9/17/2013
Seis da tarde, o som da nuvem de pernilongos angustia o fim do dia, os pássaros ainda insistem nos últimos pios diurnos, as nuvens se aproximam anunciando o primeiro derramar das chuvas. Um silêncio humano toma conta da minha casa enquanto minha mãe dorme em seus ossos. Bem lá ao longe é possível ouvir o retumbe de algum churrasco de gente invisível. Os pernilongos invadiram minha casa porque tudo envolta foi destruído, o igarapé, o brejo, o lago e a mata meio corpo de altura que ficava na frente da casa. Tudo foi murado e feito a imagem e semelhança dos novos donos e o silêncio composto de sapos e grilos antigos é agora um sinal da paranóia, os pernilongos em agulha sinfônica. Agora o que resta é morrer junto deste lugar pra que de alguma forma uma memória distante também seja elaborada em pó e esquecimento.
umedeceu. pó e cheiro de granja se foram, assim como a fuligem da cana e seus invisíveis carvões. a terra está de boca aberta, a garganta em fenda e cova restaura. árvores somos nós nas folhas enlameadas e o som dos pingos na calha, que dilúvio de sono. um dia após dizer adeus a cidade do câncer me revitalizo numa desordem úmida, nem lágrimas disfarçariam o prazer de me ver distante daquele lugar castigado. no pó residem os seres das rugas, na água eu que ainda me sou liso. a espera pelo oceano de ondas e ventos dança e me acorda de um sonho seco. em breve o gelo e o cinza serão minha paisagem d'alma.
8/26/2013
arroto
na fila do banco
na rua
na farmácia
eu arroto
na linha de frente
no retorno
na ala do pronto socorro
meu arroto
resvala a cara do meganha
do rato
do corruptor
erupção de fedor
meu arroto
é só mais um clamor
na rua
na farmácia
eu arroto
na linha de frente
no retorno
na ala do pronto socorro
meu arroto
resvala a cara do meganha
do rato
do corruptor
erupção de fedor
meu arroto
é só mais um clamor
6/30/2013
Como eu ia dizendo. Chegar a conclusões é perigoso, na maioria das vezes. Saber algo até o osso é tão improvável. Mas a vida nos ensina algumas coisas, pode ter certeza que no final, vai ter uma exatidão pra enrolar no bornal.
E foi assim que cheguei a uma conclusão, muito minha, muito de todos:
Sempre que me vejo numa situação insustentável (desde um lugar horrível pra se viver até uma incompatibilidade de gênios) a única solução é uma paixão repentina e inconseqüente pra me salvar.
Depois de vinte anos experimentando a mesma saída o saldo são três filhos e uma panelada de corações feridos e fagulhas farpudas. E a obvia conclusão de que não dá certo mesmo. Experimentei todas as variações do gênero e posso garantir que talvez meu egoísmo e minha bipolaridade não me tenham permitido firmar bandeira em nenhuma das ocasiões.
A pergunta então é o que fazer de agora em diante. Ser vegan e participar de terapias coletivas? Parar de beber e pensar na possibilidade de deus? Atravessar sinais vermelhos? Participar da histeria do entretenimento e vestir branco pra sempre? Acumular e mentir?
Não fica claro tão rápido, quando chegamos a uma conclusão certa, como sair da roda gigante. Escrever é um começo, comer menos talvez o seguinte passo. Olhar o mundo, os outros e não ser visto - besteira! Fugir pro sossego é para quem teve berço. Eu sou daqueles que janta o almoço.
A paz. Sair das ciladas sem mesmo ter entrado. Quem sabe agora, com as rugas dominando a maior parte do meu olhar eu possa dar um peteleco na próxima mariposa negra.
6/05/2013
As costas da encosta
Tua pele é de encosta
um certo mar
tormenta
tuas costas
um certo sal
gozo do bem
gozo do mal
5/22/2013
5/14/2013
rosinha
rosinha era uma moça
pestilenta, grande e feia
salvava somente sua boca
mais bela que a da sereia.
rosinha cheirava a bolor
tinha dias que só era chata
mesmo assim tinha um amor:
um bandido, velho pirata.
quantas noites rosinha sonhou
que as estrelas eram uma latrina
onde sua raiva podia explodir
um dia toda estranha acordou
no espelho a imagem da heroína
e a cabeça do pirata a sorrir.
pestilenta, grande e feia
salvava somente sua boca
mais bela que a da sereia.
rosinha cheirava a bolor
tinha dias que só era chata
mesmo assim tinha um amor:
um bandido, velho pirata.
quantas noites rosinha sonhou
que as estrelas eram uma latrina
onde sua raiva podia explodir
um dia toda estranha acordou
no espelho a imagem da heroína
e a cabeça do pirata a sorrir.
saara
sol e areia e reflexo
e nuvens imaginárias
e a mais pura certeza
e a solidão no vento
e a cara enrugada de sal
e areia no céu e na terra
e areia nas veias da terra
e areia permanente em mim
e nuvens imaginárias
e a mais pura certeza
e a solidão no vento
e a cara enrugada de sal
e areia no céu e na terra
e areia nas veias da terra
e areia permanente em mim
5/07/2013
Finis (Bashô)
Depois de chupar toda
a doce peônia,
uma abelha rasteja
saindo de suas fendas peludas.
trad. Kevin Kraus
Finis
Having sucked deep
In a sweet peony,
A bee creeps
Out of its hairy recesses.
Uma Olhadela (Walt Whitman)
Uma olhadela através do
interstício agarro,
De uma multidão de
operários e motoristas no salão de um bar em torno do fogo final de uma noite
de inverno, e eu despercebido sentado num canto,
De um jovem que me ama e a
quem eu amo, aproximando-se silenciosamente e sentando-se perto, para que possa
me segurar pela mão,
Um longo momento em meio
ao ruído do ir e vir, da bebedeira e dos juramentos e brincadeiras obscenas,
Nós dois ali, contentes,
felizes em estar juntos, falando pouco, talvez nem uma só palavra.
Trad. Kevin Kraus
A Glimpse
A glimpse through an interstice caught,
Of a crowd of workmen and drivers in a bar-room around the stove late of
a winter night, and I unremark’d seated in a corner,
Of a youth who loves me and whom I love, silently approaching and
seating himself near, that he may hold me by the hand,
A long while amid the noises of coming and going, of drinking and oath
and smutty jest,
There we two, content, happy in being together, speaking little, perhaps
not a word.
Walt Whitman
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